Poesia, Trabalho, Vida

Trabalho.

Outrora
a minha vida era fácil. A terra
dava-me flores frutos abundantes

Hoje arroteio um terreno seco e duro.
A enxada
bate em pedras, em tojos. Tenho de cavar
fundo, como quem busca um tesouro.

Umberto Saba

Mistério, Poesia, Real/Realidade, Valores, Verdade

Contrários.

não me canso de dizer que cada coisa
pode ser o contrário do que é.

quando digo que cada coisa pode ser
o contrário do que é, sei perfeitamen
te o que digo e é isso que quero di
zer e não o contrário, embora o contr
ário também esteja certo, porque cada
coisa também pode ser o que é.

a função das coisas é ser aquilo
que se quer que elas sejam.

Alberto Pimenta
Obra Quase Incompleta

Cinema, Destino/Futuro, Diálogos, Identidade, Solidão

O que nos acontece.

[Aldous Huxley]

– Se alguém não gosta do presente, não há muita chance do futuro ser melhor.
– É, já pensei nisso.
– Mas a verdade é que nunca se sabe. Veja essa noite.
– Na verdade… Me sinto sozinho a maior parte do tempo.
– Mesmo?
– Sim.
– Sempre me senti assim. Nascemos sozinhos, morremos sozinho. E enquanto estivermos aqui, estaremos totalmente encerrados nos próprios corpos.
– Realmente estranho.
– Pensar nisso me deixa louco. Só podemos vivenciar o mundo exterior através da percepção parcial que temos. Quem sabe o que realmente gosta. Só vejo o que acho que você gosta.
– Sou exatamente o que aparento ser. Se olhar bem de perto. A única coisa que fez a coisa toda valer a pena foram aquelas poucas vezes que fui capaz de me conectar de verdade com outra pessoa.
– Tive uma intuição sobre o senhor.
– Teve?
– Sim, senhor.
– De que você pode ser um verdadeiro romântico. Sabe, todo mundo sempre diz que, quando se está mais velho, terá toda essa experiência, como algo fantástico.
– Grande merda, a cada dia nos tornamos mais insensatos.
– Mesmo?
– Definitivamente, sim.
– Então toda sua experiência é inútil?
– Eu não diria isso. Como diz Sr. Huxley: “A experiência não é o que acontece ao homem, é o que homem faz com que aconteça a ele.”

“A Single Man” (2009)

Ética, Ceticismo, Cinema, Deus

God on Trial.

Quantas estrelas vocês acham
que há no universo?
Desculpem, mas antes de…
…antes de morrer,
fui físico, em Paris.
Há mil milhões de estrelas
na nossa galáxia,
só na nossa galáxia.
E Deus fez todas
aquelas estrelas?
Certamente. O profeta Amos
nos diz… – Para que?
Perdão?
Ele fez mil milhões
de estrelas
unicamente na nossa galáxia.
Em quantas delas há planetas
que não conhecemos?
E ainda assim, toda a Sua atenção
está focada num pequeno planeta
junto à borda de uma
espiral exterior.
E nem sequer com o
planeta todo!
Só com os judeus…
Este homem,
que criou mil milhões
de estrelas,
fez um contrato com
os judeus.
Só com os judeus.
E nem sequer com todos os
judeus, não, não…
porque judeus como eu
não contam.
Então me respondam isto:
se Ele amava tanto os judeus,
por que ele fez todo
o resto?
Por que ele não encheu
o mundo
com judeus ao invés
de estrelas?
Qual era o interesse?
Não sabemos o interesse.
Me parece também incrível,
que de todo universo,
Ele tenha escolhido a nós.
Não é surpreendente…
É uma loucura!
É simplesmente incorreto.
Os recém nascidos pensam
que são o centro
do universo.
Pensam que fazem leite
mamando, acreditam
que o mundo desaparece quando
fecham os olhos.
Eles estão errados.
Na idade média os homens pensavam
que o sol girava ao redor da terra,
estavam enganados.
É uma ilusão causada
pelo ponto em que estivermos.
E o mesmo acontece
com Deus.
O mesmo.
Portanto pensem.
Por favor, apenas pensem…
No passado uma nação podia ter
cerca de 50 deuses,
um para fazer crescer o milho;
outro para fazer subir o rio, sei lá.
Os homens criam suas sociedades
à imagem dos seus deuses,
e por demais, as sociedades
com muitos deuses
têm muitos líderes,
diferentes centros de poder.
Dão boas-vindas a estranhos
e a novas ideias.
Como os egípcios.
Seguidamente mais tarde…
vieram os judeus…
…com a sua grande ideia.
Uma grandiosa ideia:
Só há um Deus.
Incrível.
E o que acontece?
Eles criam uma
sociedade na qual,
todos os poderes
estão concentrados
nas mãos de um homem,
de um rei.
Uma sociedade eficaz.
Uma embarcação firme.
E têm esta ideia que Deus os
ama mais que a todo o resto.
Prosperam,
Mantêm este Deus para
eles próprios,
tratam de se isolar.
Mas mais tarde chega alguém
com uma ideia ainda melhor:
os cristãos.
Eles dizem sim,
só há um Deus,
mas não ama só
os judeus,
ama todo mundo.
Devemos conquistá-los todos…
os romanos adoraram isto.
Converteram-se.
Conquistaram todos.
Um Deus.
Um rei.
É assim que funciona.
Funciona à volta do poder
e a guerrear,
e vocês,
perderam.
Mas pelo caminho os
romanos desapareceram…
Por quê?
Porque alguém teve uma
ideia melhor.
Hitler…
teve a ideia,
haja só um Deus,
e esse sou eu.
E neste lugar Hitler é Deus,
não é?
Correto, mas nós ainda
estamos aqui.
Ainda estamos aqui
esta noite.
Existe uma vespa,
chamada de Ichneumonidae.
Põe os seus ovos
dentro das lagartas.
Os ovos chocam
e logo a seguir as larvas
da vespa
comem a lagarta por dentro.
Comem para sair dentro dela.
Que tipo de Deus criava
algo assim?
E ainda assim…
desculpem,
Só peço que vejam
as coisas
não como bebês,
mas como homens,
homens de razão.
Usem a razão.

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A acusação é que
Deus quebrou o pacto com
o povo judeu.
Quem nos guiou para
fora do Egito?
Deus nos guiou para fora
do Egito.
Outra pergunta:
Por que
estivemos muito antes
no Egito?
Porque houve uma fome e por
conseguinte nos refugiamos lá.
Quem enviou a fome?
Bem, sobre a fome não
sabemos muito…
Deus enviou a fome.
Então Deus nos mandou
para o Egito
e Deus nos tirou do Egito.
Exatamente.
E a seguir nos tirou
da Babilônia,
com esse objetivo.
E quando nos tirou do Egito,
como o fez?
Com palavras, visões?
Um milagre?
Moisés perguntou ao faraó…
E quando o faraó disse
a ele que não?
As pragas.
Primeiro Moisés converteu a
água em sangue,
depois Deus mandou uma praga
de sapos,
depois uma praga de mosquitos,
depois uma praga de moscas,
a seguir matou
o seu gado,
depois uma praga de furúnculos
depois de granizo,
que destruiu as colheitas,
árvores e estruturas por
todo o lado,
exceto em Goshen,
onde os israelitas viviam.
E ainda assim o faraó
não concordou.
E depois a praga
de gafanhotos
e os dias de escuridão,
e por último… o que?
Deus matou o primogênito
do faraó
e isso nos libertou do Egito.
Ele matou o primogênito,
desde o primogênito
e herdeiro do faraó,
ao primogênito dos escravos
nos moinhos.
Ele os matou todos.
Ele matou o faraó?
Não, acho que não,
porque mais tarde…
foi o faraó que disse não,
mas Deus lhe permitiu viver
ao invés disso matou
as suas crianças.
Todas as crianças.
E depois o povo de Israel
pôde sair,
levando consigo o ouro
e a prata
e as jóias e vestimentas
dos egípcios.
E Deus afogou os soldados
que os perseguiam.
Ele não fechou as águas logo para
que soldados não os perseguissem
esperou que já estivessem
lá dentro
e seguidamente fechou
as águas.
E depois o que aconteceu?
Depois o deserto,
e finalmente a terra prometida…
Espere, a terra prometida,
estava… vazia?
Um lugar novo,
sem cultivos?
Não, havia…
Como está escrito,
Quando o Senhor, seu deus,
te leve à terra,
sacrificará muitas nações
perante vocês,
nações mais grandiosas
e mais poderosas que vocês.
Vocês
as aniquilarão e destruirão
por completo
e não farão nenhum pacto
com eles
e não lhe irão mostrar nenhuma
misericórdia perante eles”.
Ele nos mostrou
seu favorecimento,
nós somos o Seu povo.
E Ele nos deus um rei
em Saul.
Agora, quando o
povo de Amalek
luta contra o povo de Saul,
o que é que Deus, nosso senhor,
nos ordenou?
“Esmaga Amalek,
Lança-lhe uma maldição”.
Mostrou Saul misericórdia
em poupar alguém?
– “Não o poupe…”
– “Não o poupe,
mas mate.
mate o homem, a mulher,
bebês recém nascidos,
bois e ovelhas,
camelos e burros”.
Então, Saul se preparou
para cumprir isto,
e pelo caminho, se encontrou
com os kenitas.
Bem, este não era o
povo de Amalek,
não tinha desavenças com eles,
os encorajou a fugirem.
E Deus, nosso senhor,
ficou contente com a
misericórdia de Saul?
Com a justiça de Saul?
Não, não ficou.
E quando Saul decidiu
não massacrar todo o gado,
para assim alimentar
o seu povo,
ficou Deus satisfeito com sua
prudência? Sua caridade?
Não.
Não, não ficou.
Ele disse, “você rejeitou a
palavra de Adonai.
e como tal, ele o rejeitou
como rei”.
Desta forma, procurando agradar
o Senhor, nosso deus,
Samuel trouxe o rei Agag
e o despedaçou perante o
Senhor em Gilgal.
Depois de Saul veio David,
que tomou Batsheba,
a esposa de Uríah, o hitita,
para si mesmo,
planejando um assassinato
a Uríah…
contra a vontade de Deus.
Deus castigou David?
De certa forma…
Castigou Batsheba?
– De certa forma, quando…
– Adonai disse,
“já que pecou,
a criança morrerá”.
Perguntou anteriormente,
quem castiga uma criança?
Deus o faz.
Agora, a criança morreu rapidamente,
misericordiosamente, sem dor?
No capítulo 12,
concluímos que na realidade…
Sete dias.
Sete dias, que a criança
passou agonizada em dor
enquanto David se envolvia
em sacos, cinzas, jejum
e procurou mostrar sua
dor a Deus.
E Deus ouviu?
A criança morreu.
Essa criança achou que
Deus foi justo?
Pensaram os amalekitas
que Adonai foi justo?
Pensaram as mães do Egito,
as mães…
pensaram elas
que Adonai foi justo?
Mas Adonai é nosso deus certamente.
Mas então Deus não fez os egípcios?
Não fez os seus rios,
e crescer as suas colheitas?
Se não Ele, então quem?
Talvez um outro
Deus qualquer?
E para que Ele
os criou?
Para castigá-los?
Para os matar de fome,
para os aterrorizar,
para massacrá-los?
O povo de Amalek,
o povo do Egito…
como foi para eles
quando Adonai se
virou contra eles?
Foi assim.
Hoje houve uma seleção,
não foi?
Quando David derrotou
os moabitas,
O que ele fez?
Ele os fez deitarem-se
no chão em filas,
e escolheu um para viver
e dois para morrer.
Nós nos tornamos
os moabitas.
Estamos aprendendo como
foi para os amalekitas.
Enfrentaram a extinção nas
mãos de Adonai.
Morreram pelo Seu desígnio,
caíram, como nós
estamos caindo.
Tinham medo,
como nós temos medo.
E o que eles aprenderam?
Aprenderam…
que Adonai,
Senhor nosso Deus…
nosso Deus…
não é bom.
Ele não é bom.
Nunca foi bom,
só esteve apenas do
nosso lado.
Deus não é bom.
Ah, no princípio,
quando Ele se arrependeu
de ter feito os seres humanos
que inundaram a terra,
por quê?
O que fizeram eles para merecer
a aniquilação?
O que poderiam ter feito
para merecerem tal massacre?
O que poderiam eles ter feito
de tão mau?
Deus não é bom.
Quando pediu a Abraão que
sacrificasse o seu filho,
Abraão deveria ter dito “não”!.
Deveríamos ter ensinado o nosso
Deus a justiça dos nossos corações.
Devíamos tê-Lo enfrentado,
Ele não é bom,
é simplesmente forte,
Simplesmente tem estado
ao nosso lado.
Quando nos trouxeram aqui,
no trouxeram num comboio.
Um guarda me deu
um estalo,
em seus cintos tinha escrito,
“Gott mit uns”,
“Deus está conosco”.
Agora quem vai dizer
que não está?
Talvez esteja.
Haverá mais alguma explicação?
O que vemos aqui?
Seu poder…
Sua majestade, Sua força.
Todas estas coisas,
mas viradas contra nós.
Ele continua sendo Deus…
mas não o nosso Deus.
Ele se tornou…
…o nosso inimigo.
É isso que aconteceu ao
nosso pacto.
Ele fez um novo pacto com
mais alguém.
Estamos agora entrando nas
câmaras de gás.
Então…
declararam a Ele culpado?
Declararam Deus culpado, sim,
por não cumprir o contrato,
por quebrar o pacto conosco.
A cada dia 6.000 pessoas
foram gaseadas aqui.

Excertos do filme God on Trial (2008), em que judeus presos em um campo de concentração realizaram supostamente um julgamento de Deus acerca de seus motivos e caráter para com o povo escolhido.

Escolhas, Filmes

Acredite, não sabemos tudo sobre escolhas.

– É o que ele escolheu.
– O que ele escolheu ou o que lhe foi deixado…
– O que você disse?
– Estou dizendo, é o que ele escolheu ou o que lhe foi deixado?
– Não, é o que ele escolheu. Ele escolheu isto. Para se isolar, desaparecer e viver a vida que viveu.
– Bem, talvez ele não pôde encontrar o caminho… não sei… Às vezes, você não pode decidir, é só o que lhe sobra.

Do filme Lluvia (2008), de Alma para Roberto.

Amor, Filmes, Tempo, Vida

Eu amo tanto o tempo que me resta.

Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas?
Quanto?
Quando penso nisso,
como me bate o coração.
Meu país é a vida.
Quanto tempo ainda?
Quanto?
Eu amo tanto o tempo que me resta.
Quero rir, correr, chorar, falar,
e ver e crer, e beber, dançar,
gritar, comer, nadar,
saltar, desobedecer.
Eu não acabei, eu não acabei.
Voar, cantar, partir,
voltar a partir.
Sofrer, amar, eu amo tanto
o tempo que me resta.
Já não sei mais onde
nasci, nem quando.
Sei que não foi há muito
tempo… e que meu país é a vida.
Eu também sei que meu pai dizia…
“O tempo é como o seu pão,
Guarde um pouco para amanhã”.
Ainda tenho o pão,
Ainda tenho tempo, mas, quanto?
Quero brincar ainda,
quero rir às gargalhadas.
Quero chorar rios de lágrimas.
Quero beber barcos inteiros de
vinho, de Bordeaux e da Itália
Quero dançar, gritar, voar,
nadar em todos os oceanos.
Eu não acabei, eu não acabei.
Quero cantar.
Quero falar até ficar sem voz.
Eu amo tanto o tempo que me resta.
Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas, quanto?
Quero as histórias, as viagens.
Tenho tanta gente a
ver, tantas imagens,
de crianças, de mulheres,
de grandes homens,
de pequenos homens,
engraçados, tristes,
muito inteligentes, bobos.
Que engraçado, os
bobos me rodeiam,
Como as folhas entre as rosas.
Quanto tempo?
Quanto tempo ainda?
Anos, dias, horas, quanto?
Não me importo, meu amor.
Quando a orquestra parar,
continuarei dançando,
Quando os aviões não mais
voarem, eu voarei sozinho.
Quando o tempo parar,
eu a amarei ainda.
Eu não sei onde,
eu não sei como,
mas eu ainda a amarei.
Está bem?

Do filme “Deux jours à tuer/ Dois dias para esquecer” (2009).

Bela safra o cinema de 2009. O original em francês,  Le temps qui reste, de J.L. Dabadie, P. Goraguer e A. Goraguer. 

Beleza, Felicidade, Filmes, Real/Realidade, Sentimentos/Emoções, Tempo, Verdade, Vida

Epifania.

Poucas vezes em minha vida tive momentos de absoluta clareza. Como quando, por alguns segundos, o silêncio abafa o ruído e eu posso sentir mais do que pensar. As coisas parecem tão claras. O mundo parece tão renovado. É como se o mundo todo começasse a existir. Não posso prolongar esses momentos. Me apego a eles, mas, como tudo, eles se desvanecem. Minha vida foi vivida nesses momentos. Eles me trouxeram de volta ao presente e percebi que tudo é exatamente como deveria ser.

George, personagem de Colin Firth, no filme “A Single Man” (2009).

Amor, Literatura, Tempo

Basta-lhes a vida.

– Excetuando o meu – perguntou ela -, já assististe a grandes amores?
– Em terra – respondeu Laurent, passados alguns momentos – assisti a alguns. É uma coisa muito triste de se ver.
– Referes-te – perguntou ela – a esses amores sobre os quais nada impede? Que nada, aparentemente, impede de durarem para sempre?
– Instalados na eternidade – completou Laurent -, é isso.
– A eternidade é muito – observei eu.
– Não é verdade que nada nos impressiona mais do que um grande amor? Que nada, em suma, se lhe assemelha?
– Os pequenos amores do dia-a-dia – observei eu – têm outras vantagens.
– E esses – concordou Laurent, rindo – não são tão tristes de ver.
– A esses basta-lhes a vida – comentei eu -, não saberiam que fazer da eternidade.
– Diga-me – pediu ela -, qual é o sinal anunciador do fim de um grande amor?
– O fato de nada o impedir, aparentemente, de durar para sempre, não é? – disse eu.

Marguerite Duras

Dor/Sofrimento, Vida

Moço.

O dia estava pálido, e o menino mais pálido ainda, involuntariamente moço, ao vento, obrigado a viver. Estava porém suave e indeciso, como se qualquer dor só o tornasse ainda mais moço.

Clarice Lispector, Felicidade Clandestina, p. 127 (Rocco)