Amor, Poesia, Solidão

Sensação

Nas tardes de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor sob os pés
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.

Calado seguirei, não pensarei em nada:
Mas infinito amor dentro do peito abrigo,
E como um boêmio irei, bem longe pela estrada,
Feliz – qual se levasse uma mulher comigo.

Março de 1870

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Arthur Rimbaud, Poesia Completa, p. 41 (Topbooks)

Diálogos, Questões, Vida

A vida, segundo Niels Lyhne

A verdade é que a vida não vale lá grande coisa, não achas?

– Ah! não sei…A mim não me preocupa muito o seu valor. Em geral, ninguém vive realmente a sua vida. A maior parte do tempo a gente apenas existe.

II 

Há homens que vivem como se viver fosse a coisa mais natural do mundo.

(Carta a Edvard Brandes, escrita por Jacobsen em 14 de março de 1873)

Jens Peter Jacobsen, Niels Lyhne, p. 209 e p.7, respectivamente (COSACNAIFY)

Educação, Poesia

Elogio do aprendizado

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Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Frequente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.

Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixei convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.

Bertolt Brecht, Poemas 1913-1956 (Ed. 34, pg. 114)

Excertos, , Morte, Questões, Vida

Por que eu estava pensando nestas coisas?

Através da neve sussurrante eu enxergava vagamente as casinhas ao longo da Arapahoe. Eu conhecia cada um em cada casa, cada gato e cachorro da vizinhança. Na verdade, eu conhecia quase todas as dez mil pessoas de Roper, e um dia todas elas estariam mortas. Essa era também a sina de cada um na casa no fim da rua, a casa de madeira com a varanda da frente vergada, a pintura descascada e o telhado pontiagudo enviesado, a casa do pedreiro Peter Molise, onde os únicos tijolos estavam na chaminé, e até ela estava caindo aos pedaços.

Mas, quando chegasse a hora de morrer, a condição da nossa casa não importaria, e todos nós teríamos que ir – vovó Bettina seria a próxima, depois papai, depois mamãe, depois eu mesmo, uma vez que eu era o mais velho, depois meu irmão August, dois anos mais novo, depois minha irmã Clara, e finalmente meu irmãozinho Frederick. Em algum ponto do caminho, nosso cachorro Rex rastejaria para fora e morreria também.

Por que eu estava pensando nestas coisas e transformando o mundo em um cemitério? Estava afinal perdendo minha fé? Seria porque eu era pobre?

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John Fante, 1933 foi um ano ruim, pg. 12 (L&PM)

Excertos, Vida

A vida, segundo Lobo Larsen

Não vê que em matéria de oferta e procura a vida é a mercadoria mais barata que existe? Tudo tem limitações, menos a vida. Existe tanto de ar, tanto de água, tanto de terra. Quantidades limitadas. Mas a vida que procura brotar não tem limites. A natureza é infinitamente pródiga de vida. Veja o peixe e seus milhões e milhões de ovos. Em nós dois, por exemplo. Há em nós dois, em nossas glândulas, possibilidades para milhões de vidas. Tivéssemos tempo, e meios de utilizar o que há de vida em nós dois, e seríamos progenitores de continentes inteiros. Vida! Bah! Não tem valor. Entre as coisas baratas é a mais barata. Por toda parte vejo-a mendigando. A natureza derrama vida com mão larga. Onde há lugar para uma vida a natureza faz brotar mil. E a vida devora a vida para que sobreviva a mais forte.

 

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Jack London, O Lobo do Mar, p. 66 (Martin Claret)

Poesia

Slogan

BRILHAR PRA SEMPRE
BRILHAR COMO UM FAROL
BRILHAR COM BRILHO ETERNO
GENTE É PRA BRILHAR
QUE TUDO O MAIS VÁ PRO INFERNO
ESTE É O MEU SLOGAN
E O DO SOL

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V. Maiakóvski, A Porta do Sol (1923)

Maiakóvski, Poemas, p.169 (Perspectiva)

Deus, Excertos, Questões, Vida

Será realidade ou ficção?

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Augusto comentou consigo mesmo:

“Será que minha vida é uma novela, uma nivola, ou o que mais? Tudo o que está acontecendo comigo e que acontece com as pessoas ao meu redor, será realidade ou ficção? Por acaso não seria um sonho de Deus, que desaparecerá quando Ele despertar? Não será por isso que rezamos a Ele e elevamos nossos cânticos e hinos, para adormecê-lo e continuar seu sonho? Será que a liturgia toda, de todas as religiões, não é um meio de prolongar o sono de Deus, para que Ele não desperte e deixe de sonhar conosco?”

Miguel de Unamuno, Névoa, pg. 100 (Nova Fronteira)

Escrita, Excertos

Algaravia de detalhes

Tudo já foi dito – sobre o que era importante e simples de dizer – nos milênios em que os homens passaram pensando e se esforçando. Já foi dito tudo sobre o que era profundo em relação à elevação do ponto de vista, isto é, abrangente e extenso ao mesmo tempo. Hoje em dia, só nos cabe repetir. Só restam alguns poucos detalhes ínfimos ainda inexplorados. Ao homem atual só resta a tarefa mais ingrata e menos brilhante, a de preencher os vazios com uma algaravia de detalhes.

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Enrique Vila-Matas, Bartleby e Companhia, pg. 151-2 (COSACNAIFY)

Arte, Excertos, Vida

Eternamente confiável

As coisas acontecem. Acontecem de modo sutil, calmo, silencioso e estranho. Por algum tempo as coisas estão de um jeito e, depois, ficam de outro: uma nova configuração. O sangue se transforma, a Terra se transforma e o sentido da vida se transforma. E não há nada que se possa fazer. Só a arte é exata e eterna em si mesma: eternamente confiável.

William Saroyan, pg. 73-4, O jovem audaz no trapézio voador e outras histórias (Paz e Terra)

Excertos, Questões, Vida

Fora de tudo

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– Nada tem muito a ver com a gente – disse Paul. – No momento, estamos fora de tudo.

Paul pensou, enquanto Lambough falava, que todos os anos ia para o meio dos perdidos para descobrir como um marginal se sente, alguém sem hoje nem amanhã, alguém que não pertence a lugar nenhum, alguém suspenso entre o dia e a noite. Alguém que espera…espera…

William Saroyan, p. 42, O jovem audaz no trapézio voador e outras histórias (Paz e Terra)

Amor, Excertos

Acaba-se olhando para o céu

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Nunca se apaixone por uma coisa selvagem, Sr. Bell – Holly aconselhou-lhe. – E foi esse o erro de Doc. Ele estava sempre abrigando coisas selvagens em casa. Um gavião com a asa ferida. Uma vez um puma crescido com a pata quebrada. Mas você não pode entregar o coração a coisas selvagens: quanto mais você dá, mais fortes ficam. Até que ficam bastante fortes para correr para o mato. Ou voar para uma árvore. Então uma árvore maior. Então o céu. É assim que se termina, Sr. Bell. Se a gente se deixa amar uma coisa selvagem. Acaba-se olhando para o céu.

Truman Capote, pg. 156, Histórias Maravilhosas, (Nova Fronteira)

Excertos, Morte

Por hábito

– Eu não. Eu nunca me acostumo com coisa alguma. Se você se acostuma com alguma coisa é como se você morresse um pouco.

Truman Capote, pg. 94, Histórias Maravilhosas, (Nova Fronteira)